«que sentir é este sentir dos meus sentidos a sentir?»

«os sentidos são a engenharia da arte e o sentimento o projeto»

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

quereres sentir meu beijo



nesta noite fria de inverno
eu apenas queria ser tão pouco
somente uma chávena de chá
de água quente a ferver
(com erva de camomila)
envolta em tuas mãos
para as poder aquecer
aconchegar-me no teu peito
e acalentar teu coraçao

e ao levares-me à boca
eu beijava teus lábios
muito demoradamente
enquanto o liquido quente
escorria por dentro
enlouquecendo teu corpo
que se rendia ao calor
dessa tua sede ardente

e se assim fosse
quando estivesses sozinha
em cada noite fria
suplicarias minha companhia

eu sempre em ti surgia
como o teu maior desejo:

quereres sentir meu beijo


Foto de André Santos

sábado, 22 de dezembro de 2012

a molécula da dor


não chores mais

só uma lágrima chega
para saborear tuas mágoas
 
provar o sabor agridoce
de tua alma

afinal as lágrimas
foram feitas para mostrar
aos olhos dos outros

a molécula da dor

és apenas tu afinal


o teu rosto
inquieta-me tanto

abre um mar inteiro
dentro do meu peito

e o teu olhar

rasga o azul do céu
que se desfaz numa rosa

e o teu silêncio

grita o som violento
(entre um vácuo imenso)
a palavra amar

és apenas tu afinal

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

fim de mundo foi adiado




esperando o fim do mundo
fui a uma igreja rezar
sozinho ali estava diante o altar
o meu olhar fazia eco perante as colunas
arcos, abobadas naves e vitrais
tudo acabaria dentro de segundos
senti passos de alguém a entrar
desviei o olhar para trás
e vi que Schubert me quis acompanhar
dirigiu-se para o órgão de tubos
que enchia uma capela inteira
e começou a tocar a serenade
e o som calmo daquela serenata
e a brisa que vinha dos claustros
fez-me esquecer o holocausto
e sem que me tenha apercebido
tinha chegado outra companhia
Van Goh estava a meu lado
a pintar aquele quadro
como nunca outro havia pintado
e naquela calma aparente
ouve-se um estrondo de repente
que parecia vir do lado de fora
meu coração acelerou -  fui à porta
ouviam-se gritos de todo o lado
era agora - fiquei muito assustado
olhei em frente e vi um acidente
alguém gritava: Hitler foi atropelado
fiquei bem mais aliviado
quase me borrei ali todo
a pensar que o fim tinha começado
mas a olhar para a esquerda
vi o Stalin a sorrir
e tornei a ficar desconfiado
desviei o olhar para a direita
vi Rasputin decapitado
agora estava descansado
os Maias haviam-se enganado
entre o sério e o bizarro
o fim de mundo foi adiado

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

o outro que não sou eu

 

quero falar de mim

regressar ao lugar

onde nunca existi

enamorar-me pela ausência

de meu corpo não tocado

e ser sempre quem fui

o outro que não sou eu

 

as minhas mãos dir-te-ão


diante dos meus olhos
és o modelo de minha obra
sei que te posso pintar
sei que posso desenhar
todos os teus traços
mas que serve saber tudo isto
se não te posso tocar
afagar esse teus cabelos
sentir o batom vermelho
dos teus doces lábios
eu não te posso amar
és modelo da minha tela
eu apenas o pintor
que te veio procurar
para que este quadro
tenha todo o sentido
destes meus sentidos

se desejo ou não?
o modelo que pintei
olha para a obra
que termenei
as minhas mãos dir-te-ão!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

amanhecer onde voltarei a nascer




neste breve momento
vejo-te por entre onde não te posso ver
de ti não tenho retratos nem imagens
mas é tanto este meu querer
que tuas cores chegam nas aragens
no trágico nevoeiro de D. Sebastião
onde levo o olhar no antes e depois
e a carne cheia e firme de teus seios
esconde-se por entre linhas de sombras
deixando os seus bicos transparecer
como suaves tetinas de biberão
onde aconchego minha boca
e enrosco minha língua em sua sede
todas as imagens de ti se sobrepõem agora
e desapareço por entre o beijo antes do beijo
tu continuas a mulher que sempre hás-de ser
eu apenas a ilusão do nevoeiro de D. Sebastião
a surgir no amanhecer onde voltarei a nascer

 
 

doutores de corrupção


as pessoas que conheço não são estas
o país onde nasci já não é este
a sobreviver à minha morte aparente
este ódio e a inveja de vencer
o querer nas suas mãos tudo ter
este passo de doble que não acompanho
em ritmo incerto que sempre me engano

este país e os seus discípulos de Nero e Sargão
não me pertence são meros enganos da invenção
da uma nova geração de doutores de corrupção

doe-me as traições violentas e insultantes
de meia-gente a se julgar gente importante
poderes cegos aviltantes que enchem o coliseu
tentando apanhar nesta dança par - posso ser eu

deixem-me ficar intensamente sozinho
a justiça que julga julgar justo dói
há sempre um vencido e um outro herói
a perder ou ganhar eu só quero descansar
só falta o meu grito inocente no caminho funerário
que me pode levar às portas de um templo ático
despido de tudo para minha alma poder respirar

neste ar intoxicado de quem só sabe adeusar

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

jogo perigoso


vivo tempo demais

entre um bando de bandidos

que se afirmaram amigos

e nada dizem aos meus sentidos

peças de um jogo perigoso

escrito com tinta de fogo

por mim silenciosamente perdido

para um dia poder ser vencido

domingo, 16 de dezembro de 2012

ansiar um homem ser cão



de dia ou de noite na rua onde passas
caminhas elegantemente calada
a deixar um rasto de cio
e eu sigo o meu faro apesar do frio
tento marcar o meu território
deixando pedaços do meu cheiro
espalhados por ai nas paredes e chão
feito um cão a tentar chamar tua atenção

mas nesse teu silêncio eu não sou nada
o som dos teus saltos altos na calçada
coloca os meus ouvidos em ação
e os sentidos sentem o instinto da tentação

mas tu continuas elegantemente calada
e para ti eu sou figura totalmente desprezada
jamais poderei ser teu amante e tu minha amada
neste momento recordo uma ideia já passada
do homem ser animal por transformação
é que se fosses uma cadela e eu um cão
entre latidos e cheiros tinha de ti alguma atenção
e seria mais fácil de poder saciar esta tesão

há mulheres com tal dom de provocação
que até fazem ansiar um homem ser cão

sábado, 15 de dezembro de 2012

os sonhos e as palavras


quero despedir-me das palavras
que digo eu mais que um poeta?
afinal são só palavras em vão
as que saem de minhas mãos
 confundem as emoções
e enganam esta solidão 

enquanto existir o sonho
as palavras não são necessárias

por esta constante negação
cremo as palavras no forno da ilusão
infundido suas cinzas no mar
para  jamais voltar a aspirar
esta imperfeita comunhão
entre os sonhos e as palavras

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

só sei de uma flor


 
esqueci que te amei

não sei que tempo

ou lugar perdido

qual razão de minha morte

regressei para te amar de novo

não sei que corpo

ou alma perdida

qual razão da minha vida

 
só sei de uma flor

que por mim foi concebida

 
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